Os contos de Mariella Augusta perfazem sur­presa agradável, por vários motivos, em meio à grande massa, freqüentemente medíocre, de narrativas, crônicas e outras do gênero. Destaca-se o vocabulário rico e adequado, com laivos originais e transparentes à maneira de Guimarães Rosa, o que se me afigura excepcional entre uma geração mais afeita, em matéria de léxico, a melodias de uma nota só. O jogo preciso dos termos cria antíteses e sinestesias, metáforas e metonímias alta­mente poéticas, mesmo em prosa, arte literária que o leitor comprovará. Entretanto, o colorido e sonoro aspecto formal seria apenas parnasiano, se não constituísse o revestimento de uma cosmovisão humana e equilibrada. O conteúdo aflora uma sensi­bilidade refinada, uma capacidade de observar e analisar, de modo pessoal porém objetivo, as coisas recorrentes, às quais rara­mente se dá atenção: o encanto das flores, o colorido e o trinado dos passarinhos, a poesia e o significado da chuva, a errância das nuvens, bem como os perenes anseios e vicissitudes humanas, com audíveis ecos do refinamento cultural greco-romano. E nas ruas da cidade, selva de pedra, intui o drama de cada rosto, o complexo humano atrás de portas e janelas. Mergu­lhos nesse complexo humano são freqüentes, induzindo à meditação na tentativa de melhor compreender o humano: seus anseios, suas esperanças, seus delírios, frustrações e derrotas, sua vida e sua morte - inelutável. Dessarte, este volume, que se espera seja o primeiro de vários outros, deve ser lido com vagar para as devidas inferências axiológicas dos autênticos valores humanos, hoje tão menospre­zados e até invertidos. Ver-se-á que o caos humano não é, como nunca foi, absoluto, que nos grandes desconcertos destacam-se suaves melodias e que primorosas flores podem brotar nos paúis mais pútridos.